“SEREIS COMO DEUSES”

“SEREIS COMO DEUSES”

 

“SEREIS COMO DEUSES”

(DOMINGO DE RAMOS – ANO A – Mt 26, 14-27.66)

 

                Chama atenção a repetição dessa história a cada ano. Ouvimos agora a narrativa. Se fosse encenada teríamos nos emocionado mais ainda. E lá se vão dois mil e onze anos. Todos os anos escutamos, assistimos e nunca cansamos. Penso que o último grande sucesso do cinema foi o filme “Avatar”. Queria ver quem conseguiria assistir o filme “Avatar” duas mil vezes. Iria vomitar, mesmo sendo um belo filme. Com uma importante mensagem ecológica.

                Porque a história da salvação nos toca tanto e sempre assistimos com a mesma intensidade? Por que é a nossa história. Estamos nela. É a nossa vida, o nosso sofrimento, a nossa morte e ressurreição. Conheci no nordeste um antropólogo e psiquiatra que fez um estudo com os romeiros de São Francisco do Canindé. Ele passou dias perto da imagem de Cristo morto, presente no santuário, ouvindo aquelas senhoras nordestinas sofridas, rosto enrugado pelo tempo e marcas da vida. Que se aproximavam da imagem e quase sempre as mesmas palavras: “Tadinho, sofreu tanto... que nem eu! Sofro que nem tu, meu Jesus! Sofro por causa do meu marido... ele me bate também!... E meus filhos não querem saber de mim!...” . E assim seguiam os desabafos, mas de repente elas respiravam fundo e diziam: “Mas tu venceu... e eu vou vencer também!”. E saíam com uma nova esperança. Leonardo Boff em um de seus trabalhos sobre a espiritualidade diz que Nosso Senhor não veio explicar porque temos que trabalhar tanto, porque temos que sofrer tanto, mas veio sofrer junto, trabalhar junto. Veio viver a nossa vida. Abraçar nossa vida. Sacramentar nossa vida. A história do Senhor é a nossa história.

                Também chama atenção a entrada dele em Jerusalém. Em outra comunidade assisti a encenação. Um jovem montado em um animal dirigindo-se para a Igreja onde íamos celebrar o Domingo de Ramos. Transportei-me olhando para ele. Passei a olhar Jesus. Devia estar daquele jeito. Cabeça erguida, impassível. Sabendo que iria morrer. Mas não desceu da montaria. Ele foi. Entrou em sua cidade, aclamado como um rei, mas quatro dias depois seria acusado como um mal feitor. Assisti a representação da flagelação também. E essa é a mais tocante. Nós, hoje, sabemos que era Deus. Deus sendo cuspido, açoitado, julgado por um simples ser humano, preterido por um assassino e agitador, “Barrabás”. Ser crucificado...

                Veio, amou-nos, ensinou-nos, curou-nos, tudo de bom nos deu. Não há no Evangelho nada escrito que podemos apontar: “Olhe, aqui Jesus errou!”. Suas opções, palavras, atitudes são perfeitas, inatacáveis. Mas não agradou. Fracassou. Fracasso total. Deu tudo errado. Somos seguidores de um Deus fracassado. São Paulo em uma de suas cartas escreve: “Os gregos pedem sabedoria, os judeus pedem sinais e nós temos Cristo crucificado!”. Eis o que temos...

             Mas porquê? Por que Deus nos mostra o fracasso? Por que não foi diferente? Para nos salvar. Para nos dar saúde. A saúde tem o mesmo radical que salvação. De que Nosso Senhor nos salvou? Da doença herdada de nossa mãe Eva e de nosso pai Adão. A doença que adquirimos quando ela ouviu do tentador a proposta: “Sereis como deuses!”. O fruto era atraente sim, mas essa proposta foi mais. Já pensou? Ser como Deus... Eis o nosso mal. A nossa doença: o orgulho. Queremos ser Deus. Queremos sempre estar por cima. Não suportamos ser humilhados. Queremos sempre ser admirados. Respeitados. Ai de quem ofende nossa interioridade. Aqui está nossa dificuldade de perdoar. O orgulho ferido. Humilhou-me. Ai da mulher que manda no marido... As mulheres já acostumadas pela cultura, até que suportam a submissão, mas ai da visinha, nora ou seja lá quem for que olhe com cara feita. O orgulho, pai do egoísmo que faz com que suguemos o planeta até a sua exaustão. Que faz com que produzamos tanta desigualdade social. Tantos desequilíbrios em nossa civilização.

                Queremos sempre estar por cima. Atrai-nos o cargo de mando. Quem disser aqui que não gosta de coordenar algo está mentindo. No fundo tem medo de não dá conta e fracassar. Porque se tivesse a garantia de que iria dar certo, o cargo de mando aceitaria sim... Somos amantes do sucesso... Há na liturgia uma orientação de que nos espaços sagrados não tenha mais crucifixos, a não ser a cruz processional, e sim imagens messiânicas. Ícones do Pantocrator. Será que não é porque não suportamos a imagem da cruz? Do fracasso?

                Nosso Senhor com o seu fracasso, cura-nos de nosso orgulho. E “quem quiser seguir-me negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”... 

Procurando ver algum exemplo de quem fez isso e merece ser chamado de cristão. Veio-nos a vida de Santa Madre Paulina. Como essa mulher termina? Diabética. Amputada em um braço e uma perna. Cega, esquecida. Fracasso. Outro exemplo bem atual e próximo em nossa Diocese, padre Luiz Fachini. Ícone das Comunidades eclesiais de base. Um profeta. Qual padre que mais fundou comunidades como esse homem? Duas paróquias criadas. E se tiver tempo pode fundar mais uma. Não fala cinco palavras sem que uma delas seja a palavra pobre. Seu pensamento é o cuidado dos pobres. Na última quinta, sua paróquia reuniu-se em suas principais lideranças, junto com o senhor Bispo e outros responsáveis para tirar o padre Luiz Fachini. Pronto, não presta mais. Está incômodo. Tira ele, varre ele daqui. Fracasso. Nada valeu a pena padre Luiz Fachini. Não tens reconhecimento nenhum. Perdeu, fracassou. Parabéns irmão. Fique tranqüilo... És seguidor de um Deus fracassado. Parabéns por ser cristão... não se preocupe esse é o caminho.

                Madre Paulina, também no final de tudo, depois de uma vida de santidade, de fundar uma congregação, aparece uma freirinha, que Deus a tenha também em bom lugar, que faz fofoca para o Bispo dizendo que madre Paulina está atrapalhando, que não serve mais... que é um entrave a congregação. E o Bispo acredita, manda-a embora para São Paulo. Ela vai, serena, obedientemente. Mas não pára. Vai trabalhar em São Paulo com os negros recém-libertos da escravatura e com os pobres em geral. Depois adquire a diabetes, padece seu sofrimento, sua cruz e abandono. E no leito de dor, já partindo dessa vida. Esquecida, preterida, uma freira fiel que cuidava dela pergunta: “Madre, mas isso não está certo... a senhora é nossa fundadora... como podes terminar assim?”. “Está tudo certo minha filha, eu sou cristã... Sigo a Jesus Crucificado... E quero morrer assim, esquecida por todos, só lembrada por Nosso Senhor Jesus Cristo!”.

                O nome do Bispo eu não lembro, o nome da freirinha fofoqueira muito menos. Mas só sei que Madre Paulina é hoje Santa Madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus! Esse é o caminho da ressurreição! Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!