A CASA É SUA

A CASA É SUA

 

A CASA É SUA!

(Lc 16, 1 – 13)

                Vocês já se encontraram com alguém de quinhentos anos andando por aí? Ou com alguém de cento e vinte? Tem pessoas que até chegam a cento e vinte anos, mas são pessoas raras que conseguem esta graça da natureza. A longevidade... O que queremos dizer é que todos, sem exceção, eu e vocês vamos morrer. A morte é uma das verdades de nossa vida. Na verdade é o grande presente da vida para nós. Porque é através dela, e só através dela que poderemos ver Deus. E existe melhor expectativa para nossa vida: ver aquEle por quem vivemos...

                Vivemos em um mundo em que a morte é muito esquecida e desprezada, ou quem sabe a palavra poderia ser olvidada. Esconde-se a morte. A tonalidade é dada toda à juventude. Li outro dia em um jornal que um cientista está tentando isolar o gene responsável pelo envelhecimento. E se conseguir isolá-lo poderá começar uma revolução na ciência e na natureza, impedir que o ser humano envelheça. O ser humano chegará até a fase jovem da vida e depois estacionará. Eterna juventude... Medo da morte. Vemos também muitas mães confundindo-se com suas filhas, não parecem mais mães e sim irmãs. Mesmo corpo, mesmas roupas, e como muitas famílias estão desestruturadas, muitas vezes, o mesmo namorado... O mesmo acontece com os pais também. Tudo isso pelo medo do envelhecer e com o envelhecer a chegada da, segundo São Francisco, irmã morte.

                Não podemos perder de vista a possibilidade da morte. Não para vivermos depressivos e tristes porque um dia vamos morrer, mas para justamente o contrário, vivermos bem. Aproveitarmos a vida e, cada momento do dia, para construir nosso futuro eterno. Existe uma ordem monástica fundada por São Bruno denominada Cartuxa. Os monges cartuxos. Estes ao se encontrarem em seus mosteiros não se saúdam com um “Bom dia!”, ou “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”, mas dizem assim um para o outro: “Tu vais morrer!”, ao que o outro responde: “E tu também!”. E o primeiro continua: “Aproveite bem o dia!” e o outro: “E tu também!”. E quando chegam às suas celas está numa plaquinha de madeira o nome do seu ocupante e embaixo escrito: “Tu vais morrer!”. Antes do Concílio Vaticano II eles não dormiam em camas, mas em caixões. Quando algum faltasse às orações e atividades do dia e os outros verificassem que o mesmo estava morto, bastava fechar o caixão, fazer as exéquias e enterrar. Hoje dormem em camas normais. Mas a saudação continua. Tudo para não perder de vista a idéia da morte.

Precisamos fazer as pazes com nossa irmã a morte e aproveitar tudo o que ela pode nos ensinar. Porque qualquer dia podemos morrer... E não haverá mais chance. É hora da colheita.

                Estamos aqui na terra para preparar o nosso depois. Plantar nossa eternidade através do tempo que nos é dado. Nosso infinito através dos espaços limitados do mundo. O tesouro imperecível através do que tem prazo de validade. Aprender a amar com profundidade superando os desafios de perdão e misericórdia propostos pelas relações interpessoais. E Deus é maravilhoso! Quantas oportunidades de fazermos tudo diferente a cada novo dia. Para quem vive muitos anos, quantas chances de fazer a vida realmente valer a pena. Cada dia é novinho em folha. É Deus nos dizendo, levante, tente novamente. Refaça. Compreenda. Perdoe. Ame. Mesmo que hoje seja um dia terrível, não podemos estacionar a vida nele... Vai vir a noite, muitas vezes escura, mas o sol vai nascer novamente e ninguém pode impedir isso. O sol de um novo dia é um presente do Pai de Misericórdia.

                Madre Tereza de Calcutá uma vez surpreendeu um repórter quando respondeu à pergunta: “Por que a Senhora faz isto tudo? Tantos hospitais, tantas creches, quanto trabalho, quantas pessoas atendidas...” Ao que ela respondeu de maneira simples e direta: “Para salvar a minha alma!”.  Tudo que fazemos ou não fazemos implicará em nosso futuro. Cada olhar, cada gesto, cada sentimento... Com tudo isso construímos nossa eternidade. Por isso precisamos fazer bem feito cada coisa. Precisamos nos relacionar com amor com todos. Não deixar nada pendente. Tudo tem um saldo...

                Precisamos abraçar e exercitarmo-nos na cultura do suficiente. Ter o necessário para viver com dignidade e pronto. Para que uma conta cheia de dinheiro no banco, com tantos pobres às vezes tão perto de nós. Para que acumular tanto se tem tantos que nada tem? Para quê um guarda-roupa cheio de roupas, se não precisamos usar tudo aquilo? Sapatos! Uma antiga primeira-dama de um país do terceiro mundo ficou conhecida por sua coleção de sapatos. Mais de dois mil pares de sapatos... Coitada! Dois pés... Países desenvolvidos com uma geração de obesos porque comem demais em um mundo com países de pessoas morrendo de fome. Para quê isso tudo se vamos morrer?

                Um dia, depois de vinte e cinco anos de trabalho, chegou a aposentadoria de um mestre de obras de uma empreiteira. Foi então à sala de seu patrão para assinar os papéis ao que este lhe pediu algo que aquele não esperava: “Sr. Eduardo, eu queria lhe pedir mais uma coisa, antes do senhor se aposentar totalmente”. “O quê seu Ricardo?”. “O senhor foi o meu melhor mestre de obras. Eu queria lhe pedir mais três meses do seu trabalho. Tenho um cliente muito especial que precisamos construir uma casa para ele. E como é muito especial, não queria entregar esta construção nas mãos de outro. Será que o senhor não poderia pegar mais só esta obra?”. Seu Eduardo coçou a cabeça. Franziu os lábios. “Mas seu Ricardo... eu já tinha até acertado férias com minha família...”. “Seu Eduardo, por favor, faz uma forcinha. Só mais três meses, eu não deixo faltar nada e o senhor pode pegar uma boa equipe, mais homens para o trabalho...”. Fazer o quê? Saiu da sala com raiva. “Ele vai ver só... Vinte e cinco anos trabalhando para esta empresa... E agora que vou me aposentar, mais trabalho... Ele vai ver...”. Foi fazer a casa, mas fez tudo com um péssimo acabamento e faltando material. Onde tinha dez tijolos, mandou colocar somente oito. Onde tinha três sacos de cimento, colocou só dois. Portas que emperravam não mandou aplainar. A casa ficou toda mal acabada. Fez tão mal feito que os funcionários estavam desconhecendo o seu Eduardo. E a obra durou apenas dois meses e meio. Quando estava “pronta” foi ao escritório do seu patrão com as chaves. “Pronto, seu Ricardo, aqui estão as chaves da casa. Está pronta. Pode entregar para o seu cliente especial que não apareceu lá nenhum dia para ver a obra. Posso me aposentar agora?!!!”. “Pode seu Eduardo. Eu sabia que poderia contar mais esta vez com o senhor. E ...”, seu Ricardo devolveu as chaves para as mãos do seu Eduardo, “a casa é sua. É um presente de nossa empresa para o senhor e sua família pelos vinte e cinco anos que o senhor trabalhou para nós!”. Que nós não façamos isto com nossa vida!                Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!