MINHA VIDA ESTÁ UMA BENÇA

MINHA VIDA ESTÁ UMA BENÇA

 

“MINHA VIDA ESTÁ UMA BENÇA!”

(Jo 20, 1-2.11 – 18)

SANTA MARIA MADALENA

                “Eu fico tentando compreender o que nos teus olhos pode ver, aquela mulher na multidão, que já condenada acreditou. Que ainda havia o que fazer. Que ainda restara algum valor e por se prender em seu olhar, por certo haveria de vencer. E assim, fizeste a vida retornar aos olhos dela. E quem antes condenava. Se percebe pecador. Teu amor desconsertante. Força que conserta o mundo, eu confesso não saber compreender.

                Sou humano demais pra compreender. Humano demais para entender. Este jeito que escolheste de amar quem não merece. Sou humano demais pra compreender. Humano demais para entender que aqueles que escolhestes. E tomaste pela mão. Geralmente eu não os quero do meu lado.

                Eu fico surpreso ao ver-te assim, trocando os santos por Zaqueu, e tantos doutores por Simão, alguns sacerdotes por Mateus. E mesmo na cruz em meio a dor. Um gesto revela quem Tu és: te tornas amigo do ladrão, só pra lhe roubar o coração. E assim, foste o contrário. O avesso do avesso. E por mais que eu me esforce, nem sei nem se Te conheço. Tu enxergas o profundo. Eu insisto em ver a margem. Quando vês o coração eu vejo a imagem.

                Sou humano demais pra compreender. Humano demais para entender. Este jeito que escolheste de amar quem não merece. Sou humano demais pra compreender. Humano demais para entender que aqueles que escolheste. E tomaste pela mão. Geralmente eu não os quero do meu lado.”

                Vital Lima e Marco Aurélio foram muito felizes na composição desta música gravada pelo Padre Fabio de Melo, grande evangelizador que a Igreja tem hoje. Esta música consegue traduzir bem quem é o nosso Deus e quais as suas preferências. Ele prefere justamente aquilo e aqueles que desprezamos. Ficamos muitas vezes com o exterior. Usamos o verbo ser no presente: “É”. Deus usa o verbo “estar”, que é um verbo com significado mais transitório. Para nós é uma prostituta, é um mendigo, é um bêbado, é um drogado, é um bandido. Para Deus, está uma prostituta, está um mendigo, está um bêbado... Vemos a pessoa como ela se apresenta. Deus vê a história. Ninguém nasce prostituta, mendigo ou drogado. Ele é feito por alguma circunstância. Um marido alcoólatra quase sempre teve um pai alcoólatra e um avô ... O alcoolismo muitas vezes é uma cadeia que passa de pais para filhos. E os filhos precisam de bons exemplos, se crescem aprendendo com o pai a beber e bater na mulher e filhos... Um jovem drogadito, quase sempre recebeu tudo dos pais, casa, comida, roupa, brinquedos, boa escola, mas faltou o essencial, o amor e também um fé genuína, íntima de Deus. Famílias que rezam em casa, que dão espaço para Deus dentro de casa, dificilmente terão jovens com problema de delinqüência. Diz Içami Tiba: “O Pai que leva o seu filho à Igreja, dificilmente vai visitá-lo no presídio”.

                Quando apresentaram para Nosso Senhor Jesus, a mulher adúltera. Que para Santo Irineu era Maria Madalena. Pega em fragrante adultério. Todos estavam vendo a prostituta que segundo a lei deveria ser morta a pedrada. Na verdade a lei era para ambos os adúlteros. O homem e a mulher. Mas por conta da sociedade machista sobrava somente para a mulher.

                Interrogado sobre o que se deveria fazer. “A lei de Moisés diz que temos que apedrejar, e vós Mestre, o que nos diz?” Ele se agacha e começa a escrever na areia. Porque uma lei que manda tirar a vida, deve ser escrita na areia para depois ser apagada com o pé. Mas se ele dissesse que Moisés estava errado, Ele mesmo seria apedrejado antes do tempo. Então teve uma saída divina. Só Deus para ter uma saída tão simples e tão genial. Uma saída que não negasse a lei, mas libertasse a mulher. “Aquele que não tiver nenhum pecado, pode atirar a primeira pedra!”. Diante da autoridade de Jesus não dava para fingir. As consciências foram acordadas e foram soltando as pedras a começar pelos mais velhos. E a mulher ficou sozinha. “Filha, ninguém te condenou?”, “Não, Senhor!”, “Eu também não te condeno. Vai e não faz mais isso!”. Todos viam a prostituta e adúltera. Nosso Senhor viu uma mulher, uma jovem, um ser humano, uma filha de Deus. E a intensidade da situação, libertação da morte junto com seu pedido de amor: “Não faz mais isso!”. Tu não nasceste para isso. Tu vales muito mais. Fez esta mulher se amar. Abandonar tudo para ficar perto do amor. Trocou todos os homens pelo homem-Deus que realmente a amava. E o amou até o fim. Quando da ressurreição, devido o corpo do Senhor ter sido sepultado às pressas por causa do sábado que começa a partir da sexta à noite para os judeus. No início do primeiro dia da semana ela com as outras mulheres foram ao túmulo para embalsamar o corpo de Jesus. Mas houve a surpresa. Não estava lá. As outras voltaram para avisar os apóstolos. Ela não. Ficou ali, procurando. Os apóstolos vieram. Olharam. Pedro não entendeu. João acreditou. Eles também voltaram. Mas ela ficou ali, até encontrar o Senhor. Procurou até o fim, porque tinha sido encontrada.

                Porque Nosso Senhor fazia assim? Amava e andava com aqueles que dificilmente escolheríamos para a nossa companhia? Porque só o amor transforma. Só o amor aperfeiçoa. Liberta. Torna as pessoas melhores. Segundo São Paulo, esta é a nossa única dívida para com todos: O amor.

                A nossa Igreja tem uma hierarquia interessante. Hierarquia quer dizer harmonia. Estrutura harmonizada. A Igreja é feita de líderes que estão à frente de outros líderes. O nosso líder maior é o Papa. Ele representa a Igreja em sua unidade. Temos a graça de termos no último século grandes papas. Homens inesquecíveis. Que tiveram uma marca principal. Foram e são, considerando o atual, Homens de amor. Olhemos por exemplo para João Paulo II. Quanto amor neste homem. Amor que arrastava multidões. Em seu funeral o mundo impressionou-se com a quantidade de pessoas que acorreram para se despedir dele e se comoveram com sua partida. A sensação que tínhamos era de orfandade. Tinha morrido um pai amoroso. Bento XVI também não fica atrás em seu jeito de ser. É o que se espera de um papa. Que ame o povo de sua Igreja. Sentindo-nos amados. Está tudo bem. E o amor dele vai chegando a nós através dos bispos que, amados pelo papa trabalham bem. Porque não estarão trabalhando para um patrão, mas para um pai. E o que esperamos dos bispos? Que amem o seu povo e seus padres. Os padres por sua vez amados pelo seu bispo. Terão nele o exemplo maior do que devem dar para o povo das paróquias e comunidades: o amor. E o que se espera de um padre? Que ame o seu povo. Um padre pode ser um péssimo administrador, um péssimo pregador, um péssimo confessor, mas, se amar o seu povo... Está tudo bem. É um bom padre e o povo está tranqüilo. Quando um padre ofende alguém, para esse alguém é como se o próprio Deus o ofendesse. É um contra-senso. Uma antítese. Porque estamos em nome de Deus. Se alguém é ofendido por um médico, pode mudar de médico. Alguém ofendido por um padre pode mudar de religião. Ou abandonar totalmente a fé. Por isso o “apascenta as minhas ovelhas!”. Ele não disse: “Instrua as minhas ovelhas... ou organize as minhas ovelhas... ou ainda construa bons redis para minhas ovelhas...”. Ele disse: “Apascenta as minhas ovelhas...”.  Apascentar. Dar a paz. E só se deixa alguém em paz, quando este alguém sabe que é amado. Mas o padre não deve amar somente o povo. Existe, considerando a hierarquia, pessoas que ele deve amar e considerar muito: Os coordenadores de pastoral e das comunidades. Se eles se sentem amados pelo padre, serão muito melhores em seus serviços de pastoral muito mais frutíferos. E o que se espera dos coordenadores de pastoral? Que amem os pais e mães de família. E o que se espera dos pais e mães de família? Que amem os seus filhos. Assim, numa hierarquia que tem como única grande meta o amor, estrutura-se a Igreja Católica Apostólica Romana.

                No meu primeiro ano de padre chegou uma senhora para o atendimento dizendo que estava pensando em se separar do marido. Mas por quê? Ele bebe demais padre. Está aposentado. Só vive no bar. Não toma mais banho. Está fedido. Bebe e fuma. Está um traste. Chega de madrugada. Me acorda com um susto batendo na janela. Padre, não dá mais. O senhor deixa eu me separar dele? Olhe, disse eu, ele é o seu esposo. E só existe uma pessoa que pode mudá-lo de vida, é a senhora. Mas como padre? Não tem mais jeito. Tem sim, disse eu, rezando e amando a ele. O que padre? Amar aquele homem? Sim, o seu marido. Mas como padre? A senhora vai fazer assim... Tudo que for fazer para ele, a senhora vai fazer com amor. Vai lavar a roupa dele. Lave com amor. A comida, faça com amor. E quando ele chegar, a hora que for, a senhora vai recebê-lo na porta e dar um abraço nele. Não vai mais criticar, reclamar, a senhora só vai amar. Eu estava dizendo o que estava tendo a inspiração para dizer.

                Ela foi embora. E impressionante é que ele colocou em prática. Três meses depois ela voltou. Está lembrado de mim, padre? Sim, sei que a senhora já veio aqui, mas não lembro da história. Eu sou a esposa que queria me separar do marido. Ah, sim, lembrei agora. E aí, como estão as coisas. Padre, o senhor não acredita, a minha vida está uma “bença”! É mesmo, o que aconteceu? Tudo começou a mudar padre no dia seguinte que eu vim aqui falar com o senhor. Ele foi pro bar, como sempre ia. Anoiteceu, e nada. Deu dez horas e nada. Acabou a novela e nada. Aí eu fui dormir. Lá pelas três da manhã. Acordei com um susto. Como ele costumava fazer. Estava batendo na janela. “Mulher, abre a porta que eu quero entrar”. Eu pensei logo comigo, com raiva, “não vou abrir, tu vai ficar aí fora hoje”. Mas padre, começou a vir a sua voz no meu ouvido. “Abre a porta!”. E eu dizia, “não vou abrir!”. Foi uma luta grande, padre. E quando eu vi tava abrindo a porta. Ele entrou. Quando me viu baixou a cabeça. Eu perguntei se ele queria comer. Disse que sim. Esquentei a comida pra ele. Ele comeu depois foi deitar. Logo começou a roncar. E aí veio a sua voz de novo. “Abraça!”. “Não, abraçar não!”. Ai padre, a sua voz não saia da minha cabeça. Eu não conseguia dormir e já era quase quatro e meia da manhã. E aí eu abracei ele. Coloquei o braço em cima do peito dele. Ele acordou e eu fingi que estava dormindo. Eu notei que ele me olhou. Depois foi acalmando. E dormiu. Padre, parou até de roncar! De manhã, chegou pro café. Coloquei café pra ele. E ele perguntou: “Mulher, que arrumação era aquela ontem a noite, tu me agarrando?”. Eu me virei, pois estava lavando a louça e perguntei: “Tu quer saber mesmo? É porque eu te amo. Tu é o homem da minha vida. O pai dos meus filhos. E se tu quer continuar bebendo deste jeito, e chegando tarde, leva a chave da casa que é para não me acordar mais não!”. E voltei para lavar a louça.

                Neste dia ele saiu de novo pro bar padre, mas voltou nove da noite. E as coisas foram mudando e eu rezando por ele e amando como o senhor disse. Padre, o senhor não acredita, o homem deixou de beber. Agora eu tô com problema com a minha filha...”. E ai outra história. É assim, só o amor transforma. Nós não precisamos de mudar de pais, de esposo, de esposa, mudar de coordenador de pastoral, de padre, de bispo ou de papa. Nós só precisamos amar. Que Deus faz o milagre da mudança de vida. Só o amor que é Deus pode tornar uma prostituta em Santa Maria Madalena!

                Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!