FOI POUCO, PADRE, EU QUERIA TER FEITO MAIS

FOI POUCO, PADRE, EU QUERIA TER FEITO MAIS

 

“Foi pouco, padre, eu queria ter feito mais!”

XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO A)

(Mt 10, 37 – 42)

 

                Voltamos ao Tempo Comum depois de tantas festas lindas que tivemos: A Páscoa do Senhor, sua Ascensão, Pentecostes, a vinda do Espírito Santo gerando no seio do grupo inicial a Igreja, a Santíssima Trindade, e na última quinta feira a Festa do Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo.

                Voltamos ao verde. A igreja em sua liturgia tem quatro cores litúrgicas. O branco para as festas dos santos que não morreram pelo sangue. E Nossa Senhora é a primeira de todos. Todas as festas de Maria, Mãe de Deus, usamos o branco que simboliza a graça. Depois temos o roxo, que é usado no Advento e Quaresma e também no sacramento da Penitência e nas Exéquias. Porque a Igreja escolheu o roxo para essas celebrações litúrgicas? Por que o roxo é a mistura de duas cores: o Azul que simboliza o céu e o vermelho que simboliza o nosso sangue. No Advento o céu vai se encontrar com a terra no Natal. Quando o Filho de Deus desce e encarna-se na humanidade. O divino e o humano se encontram. O céu com a terra. O azul com o vermelho. Depois temos o vermelho que é usado para os mártires, aqueles que morreram realmente derramando o sangue. E também para Pentecostes e sacramento da Crisma porque um dos símbolos do Espírito Santo é o fogo. E o fogo tem a cor vermelha. E enfim, chegamos no verde.

                Mas porque a Igreja escolheu esta cor para o Tempo Comum? Porque a cor verde é a cor mais fácil de se ver. Para onde olhamos encontramos algum verde. É a cor mais básica. Onde a natureza está equilibrada encontramos o verde. É realmente a cor mais comum. E também no sentido da esperança uma das virtudes teologais do cristão.

                Alguns teólogos também dizem que o Tempo Comum é o feijão com arroz da nossa vida. E realmente, não há refeição mais básica que o feijão com arroz. E como é gostoso um feijão com arroz bem temperado. Temos também a carne que é sempre a menor porção. Serve para nos dar a proteína. O que nos estrutura mesmo, o que nos dá massa é o feijão com arroz. Ninguém enche o prato de carne e coloca um pouco de feijão com arroz. É justamente o contrário a maior parte é de arroz, depois o feijão e um pouco de carne. E assim é na liturgia temos o Natal e a Páscoa que é a carne de nossa vida. Do Natal e da Páscoa nós tiramos a proteína para a nossa vida, mas é o Tempo Comum, o feijão com arroz que nos ajuda a construir o céu. Porque é o tempo em que colocamos em prática em nosso dia-a-dia o que aprendemos com o Nosso Deus em seu Natal e Páscoa.

                E como hoje voltamos a embarcar no Trem do Tempo comum que vai nos levar até um novo Advento ali pelo final do mês de novembro, Jesus nos dar hoje no Evangelho três ensinamentos básicos para fazermos uma boa viagem. Três ensinamentos que o Cristão não pode perder de vista. O primeiro é quanto ao apego. O bom cristão não tem apegos. Deve ser um ser humano com amor, mas não apaixonado. E Nosso Senhor vai no seio de nosso coração. “Quem ama Pai ou Mãe mais que a mim, não é digno de mim!”. Quais as pessoas que amamos mais em nossas vidas? Quem não ama seu Pai e sua Mãe, tem algum defeito. São pessoas que realmente devemos amar. Sejam quem for. Devemos amar, respeitar, reverenciar pelo simples fato de terem nos gerado. Existimos por causa deles. Porém não podemos amá-los mais que a Deus.

                Depois Nosso Senhor vai em outra direção. Sabe que as outras pessoas que mais podemos nos apegar são... “E quem ama filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim!”. E realmente quem é Pai e Mãe sabe disso. É um amor natural, amar aqueles que você gerou. Já ouvi muitas vezes minha mãe dizer que eu e minha irmã somos tudo na vida dela. Porém, o Pai ou a Mãe devem amar seus filhos sim, mas com Deus em primeiro lugar.

                Porque o coração humano é assim. Ou Deus entra primeiro ou não entra mais ninguém de maneira saudável. Se Deus não está em primeiro lugar vamos ter paixão e apego pelas pessoas e não amor. Deus quer assim, porque Ele não quer nos ver sofrer. Ele sabe que as pessoas às vezes vão embora de nossas vidas. Quase sempre os pais vão embora antes dos filhos. E se você perde sua mãe ou seu pai, fica quem para lhe sustentar? Deus. Se Ele não está em primeiro lugar e bem presente em sua vida você não suporta a perda dos pais. Ele sabe que os filhos podem morrer também antes dos pais. E se os pais não tiverem Deus em primeiro lugar eles quebram.

                O segundo ensinamento é: “Quem não quiser perder a sua vida por amor a mim, vai perdê-la!”. Nós nascemos para servir. Nascemos para viver pelo bem do outro. A pessoa que vive para si. Que fica trancada em casa cuidando das unhas, do cabelo ou só pensa em si com o passar do tempo perde o sentido da vida. E aí vem o esgotamento, a tristeza e a depressão. Conheço um lugar lá no Acre em que o governo, não sei por qual razão desviou um rio. Fecharam o rio abaixo e acima, tem forma de rio, mas não desce a água. A água ficou verde. Apodreceu, é uma água venenosa. Nós somos que nem rios. E todo rio desce na direção do mar. O final de todo rio é no mar. Mesmo que eles desemboquem em outros mas aquelas águas todas tem como ponto final o mar. Diz Santo Agostinho: “Deus escreveu primeiro as Sagradas Escrituras na natureza, como não soubemos ler, Ele escreveu a Bíblia”. Nós somos rios, e Deus é o mar. Para onde todos vamos. Devemos receber e dar. Receber e dar. Não podemos reter nada conosco. Vivemos para servir aos irmãos e irmãs. Isso que realmente nos faz felizes.

                E o terceiro ensinamento, a bendita cruz. “E quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim!”. A cruz. Quem não tem cruz para carregar. Podemos viver tempos de tranqüilidade, mas depois ela sempre se apresenta. Faz parte de nossa existência. Nós mesmos somos em forma de cruz. Basta, de pé, fechar as pernas, abrir os braços e olhar para frente. Pronto, uma cruz! E ela é o encontro de duas vontades. A vertical, Deus te oferece algo e tu, a horizontal, não quer. Deus manda, e tu rejeitas. Deus quer a tua felicidade e tu escolhes o que não te faz feliz. Mas a cruz quando acolhida, ela se transforma em ressurreição. Se alguém é cruz para ti, se algum grupo é cruz para ti. Se está pesado, ouçamos Dom Helder que dizia: “Se alguém em tua vida te pesa, não o carregues nos ombros não, carregue-o no coração!”.

                Terça feira passada vivi uma das maiores experiências humanas de minha vida. Foi um dia daqueles em que o padre recebe porrada de todos os lados. Tem dia que parece que a vida escolhe para ver se você é cristão, consagrado ou não. Foram tantas decepções e escutei tantas coisas que não queria escutar que a noite queria ficar sozinho. Sumir. Mas... tinha celebração no Grupo Bíblico de Reflexão. Não agüentava falar nada. Estava muito mal. Pedi para um jovem vocacionado conduzir o grupo e eu entraria somente na hora da Eucaristia. E mais, para completar, quando estava saindo uma das secretárias me deu um papel de visita a um doente. E disse que era bem grave que precisava visitá-lo antes ou depois da celebração. Pensei: “Meu Deus, eu estou tão ruim e ainda ter que visitar um doente?”.

                No final da celebração chega a ministra perguntando se realmente eu iria. Disse-lhe: “Eu vou amanhã de tarde, ta bom? Porque hoje eu não estou bem!”. Porém, imediatamente eu senti que tinha que ir naquela hora mesmo. Chamei outra ministra e disse que eu ia. Que ela providenciasse o óleo dos enfermos. Fomos lá depois da celebração.

                Entrando na cãs, logo senti o cheiro de carne necrosada. E entrando no lugar em que ele estava vi um quadro impressionante. Ele sentado na cama. Completamente sem forças. Pálido, magro. Barriga grande. Com a cabeça caída. Não agüentava deixá-la levantada. De vez em quando levantava a cabeça para respirar melhor. Ele estava com diabetes, coração crescido, efizema pulmonar e outras enfermidades. E dos joelhos para baixo, feridas profundas. Quando o vi, me senti um ridículo. Eu estava me sentindo mal por causa de algumas decepções que tive durante o dia. Não queria nem visitar um doente. E ele? Ele sim estava em situação ruim. Emocionei-me vendo aquilo tudo.

Sentada em uma cadeira uma paroquiana que já tinha visto, mas não sabia o nome. Ela estava terminando de lavar suas pernas com soro fisiológico e fazendo o curativo. Ela me disse que fazia o curativo a cada duas horas, vinte e quatro horas por dia. Porque das feridas saia muito líquido e esse líquido fazia arder mais ainda os seus ferimentos.

                Ela o tratava com tanto amor, alegria e dedicação que eu perguntei o que ele era dela. “É meu irmão padre!”. Que lindo, Marlene, esse era o nome dela. Que lindo ver uma irmã cuidando assim de um irmão. Realizamos o sacramento da Unção dos Enfermos com a Comunhão. E no outro dia, ele faleceu. E nas exéquias fiquei sabendo que ele era o irmão mais velho de cinco irmãs. E duas delas choravam muito. A Marlene e a mais nova. As duas que cuidaram dele. A mais nova cuidou durante a sua internação no hospital e a Marlene cuidou os últimos dias e também no hospital. Abracei a Marlene dizendo que foi uma das cenas mais lindas que vi em minha vida. Ao que ela respondeu chorando: “Mas eu fiz pouco, padre, eu queria ter feito mais!”. Que ressurreição. A cruz quando ela é acolhida ela vira ressurreição. Vale à pena. E o que é pesado para um estranho é prazeroso para quem vive.

                Tinha um homem que carregava pela vida a fora a sua cruz que era bem grande a princípio. E depois de muito carregá-la ele resolveu cortar um palmo da cruz. Andou mais um pouco e cortou mais dois palmos. Pronto, agora estava mais leve. Mas depois pensou em cortar mais três palmos. E assim fez. A cruz ficou bem pequenas. Estava bem melhor agora para carregar. E então esse homem morreu. E de repente se viu numa estrada toda iluminada com pessoas vindo de todos os lugares. Todos vinham e entravam na estrada e todos vinham carregando cruzes. Umas maiores que a dele outras menores. Mas cada um tinha a sua. Até que a estrada se abriu que nem um pedágio. E ele viu que lá na frente tinham anjos esperando as pessoas. E que cada pessoa ir na direção de um anjo. De repente viu um anjo acenando para ele. Foi na direção dele. E ao chegar perto, sentiu que aquele era o seu anjo da guarda. E ao chegar ali viu que de onde eles estavam e o outro lado tinha um profundo abismo, tão profundo que não se via o fim. Olhou para um lado e para o outro e viu que os anjos pegavam as cruzes das pessoas e as colocavam entra as duas porções de solo. Entre o purgatório e o céu. “Ah... as cruzes são pontes para o céu!...”. “Ihhh!”. Ele olhou para o anjo e olhou para a sua e ela estava cortada mais que a metade...

                Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!