EU MÉTO, O NAÍZ É MEU

EU MÉTO, O NAÍZ É MEU

 

“EU MÉTO, O NAÍZ É MEU!”

(Lc 9, 18 – 24)

 

                Nos Evangelhos, Nosso Senhor Jesus Cristo não perde a chance de sempre ensinar e lembrar Quem é o Senhor de nossas vidas. Nós temos sempre a tendência, que faz parte do pacote do pecado original, de sermos nós mesmos os senhores de nossas vidas. “Quem manda em minha vida sou eu. E ninguém tem nada a ver com isso!”. Pensamento que ficou muito forte a partir da dúvida de Descartes, dúvida que resultou no: “Penso, logo existo!”. Eu penso, logo, eu mando em minha vida.

                Meu padrinho de batismo tem uma filha de um segundo casamento que, aos três anos de idade minha mãe a viu colocando o dedo no nariz. “Sandrinha, não mete o dedo no nariz que é feio!”. Ao que ela respondeu decidida: “Eu méto, o naíz é meu!”. A mãe dela perguntou o que estava acontecendo e porque minha mãe estava rindo. Minha mãe não quis dizer de sua mau-criação.

                Queremos mandar em nossas vidas, mas estamos por aqui para aprender uma coisa básica e fundamental: somos filhos e filhas de Deus. E como filhos e filhas de Deus logo constatamos que temos que aprender na vida a lidar com duas vontades: a vontade de Deus e a nossa vontade. E assim se forma a cruz. A cruz representa o encontro destas duas vontades que na maioria das vezes têm direções contrárias. A trave descendente é a vontade de Deus para nós. E a horizontal é a nossa vontade. “Não mete o dedo no nariz!”. “Eu méto, o naíz é meu!”.

                A cruz é a nossa própria essência. Na verdade somos em nossa forma física uma cruz. Basta abrirmos os braços e pronto, eis a cruz! E a cruz é sofrimento quando não aceitamos o que nos é proposto. Quando queremos exclusivamente fazer nossa vontade. Quando rejeitamos a proposta que vem do Pai que tudo sabe e quer sempre o nosso melhor. Eis o sofrimento. Sofremos quando não aceitamos o que nos é dado. Mas será que temos que aceitar realmente tudo o que nos é dado? Não. Mas o que Deus quer com certeza é que entendamos o porquê e para quê das coisas que se nos apresentam. O sentido. Tem coisas que temos que lutar contra. Mas tem coisas que temos que aceitar e assumir. Mas para isto é preciso saber o sentido. Tudo sempre tem um sentido. E Deus está por detrás de cada sentido. O que não podemos parar é na cruz. Não nascemos para permanecer nela. Ela é uma passagem. Um caminho de aprendizado.

                É na cruz que aprendemos a ser filhos e filhas de Deus. O filho sabe que o pai estava antes dele. Que o pai tem mais experiência que ele. Que o pai sabe onde vai dar tudo e mais, que o pai quer sempre o melhor para o Filho. “Que dizem os homens que eu sou?”. “E vocês, o que dizem quem eu sou?”. “O Cristo de Deus!”, respondeu Pedro. Sim, sou o Cristo de Deus, mas mesmo sendo o Cristo de Deus vou para Jerusalém, para ser caluniado, preso, julgado, flagelado, crucificado e morto. Eu sou o Cristo e vou sofrer tudo isso porque o Pai acha melhor tudo isso para mim. E por atender ao Pai, ele vai ressuscitar-me ao terceiro dia.

                Sofremos quando não aceitamos o que nos vem. Jesus sofreu com certeza até o Horto da quinta-feira à noite. Ele não queria morrer na cruz. Quem em sã consciência gostaria de morrer e da maneira como o Pai estava propondo? Ele não queria e pede ao Pai por três vezes para que afaste tal morte dEle, mas que seja feita a vontade do Pai. A partir do momento que Nosso Senhor levanta-se decidido a morrer na Cruz, pois não tinha outro jeito a não ser atender a vontade do Pai, acaba-se o sofrimento. O que virá são dores de uma terrível flagelação, mas não o sofrimento da encruzilhada das vontades.

                E “quem quiser seguir-me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz a cada dia e siga-me! Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la. Mas quem quiser perder a sua vida por amor a mim, este a salvará!”. Ele nos mostrou o caminho.

                Uma vez ouvi o depoimento de um médico que desde criança queria ser feliz. Mas nunca se sentia feliz. Pensava que quando completasse seus dezoito anos e conseguisse a maior idade seria feliz. Completou dezoito, veiram mais responsabilidades. O pai disse que ele tinha que trabalhar e tudo mais. Pensava que quando terminasse o segundo grau seria feliz. Pois tinha terminado boa parte dos estudos. Mas foi terminar o segundo grau e logo lhe cobraram uma faculdade. Pensou então em medicina. E que ao vencer o concorrido vestibular para medicina seria feliz. Conseguiu o vestibular. E novamente a responsabilidade aumentou e as preocupações também. Não era qualquer curso, era medicina. Tantos livros para ler. Tantas aulas. “Que coisa, será que nunca vou ser feliz?”. “Mas, penso que quando eu terminar o curso e for médico, atendendo aos meus pacientes, ganhando o meu dinheiro vou ser feliz!”. Seis anos depois, o curso concluído, que vitória, mas não era feliz. E mais, teve que ir trabalhar na ala terminal do Hospital das Clínicas de São Paulo. Todos os dias, quatro, cinco pacientes morriam sob a sua responsabilidade. “Definitivamente, a felicidade não existe!”. “Será que é mesmo como dizem: a vida tem somente momentos alegres e nada mais?”. Perguntava para um, perguntava para outro. Ninguém sabia responder. Até que um dia resolveu fazer uma grande viagem para o Tibete. Lá iria perguntar, ter uma entrevista com um mestre tibetano. Guardou dinheiro e foi. Quantos aeroportos até chegar até lá...

                Quando chegou, depois de instalado no hotel, pegou um taxi e foi logo no Mosteiro e pediu para falar com o mestre. O mais sábio que lá se encontrava. Foi tudo agendado para o dia seguinte às nove da manhã. Voltou para o hotel e nem conseguiu dormir àquela noite. Enfim, conversaria com alguém que com certeza poderia lhe explicar porque não era feliz.

                No outro dia, chegou uma hora mais cedo, para ver se ganhava tempo na conversa. Mas as portas só se abriram às nove em ponto. Apareceu uma mulher, pele morena, cabeça raspada e trajes budistas. Com sotaque francês, falando inglês perguntou: “Você quer falar com o mestre?”. “Sim!”, respondeu ele. “Por favor, acompanhe-me!”. Entraram no mosteiro. E ela o levou para uma sala ampla onde tinha um tapete no chão. Fez sinal para ele sentar-se no tapete. E ela sentou-se a frente dele. “Você quer falar com o mestre?”. “Sim”, respondeu novamente. “Pode falar, eu sou o mestre!”. “Tá brincando!”, pensou ele, mas ela estava séria diante dele. Então pensou em fazer uma pergunta bem difícil e assim ela chamaria o mestre. “Qual é a base da vida?”, foi a pergunta mais difícil que pode fazer naquele momento. Ao que ela respondeu sem pestanejar: “O sofrimento!”. Incrível, ele pensou em toda a sua vida, e em todas as vidas que já tinha tido contato até então e realmente, todos eram marcados de uma forma ou de outra pelo sofrimento. Sofremos desde o nosso nascimento. O nascimento, na verdade já é desencadeado pelo nosso sofrimento dentro do espaço apertado do útero. Sofremos depois com a fome, com as cólicas, com o frio ou calor, com o afastamento de nossas mães e pais quando vamos para a escola, etc. Ela estava com a razão. A base da vida é o sofrimento.

                Pensou em formular outra pergunta, mas ela o atalhou dizendo: “O senhor veio aqui para fazer uma única pergunta, não foi?”. “Sim!”, ela estava certa novamente. “O senhor quer saber por que não é feliz, não é?”. “Sim!”. Ali ele não teve mais dúvidas que ela era o mestre.

E veio o seu ensinamento: “O que as pessoas não percebem, senhor, é que a vida é fluídica. Ela é feita de momentos de alegria e momentos de tristeza. De altos e baixos. Os momentos de alegria não nasceram para ficar. Nem os momentos de tristeza. Só que algumas pessoas querem eternizar os momentos de alegria. Querem se agarrar a eles para sempre. E outras por sua vez, quando vivem um momento de tristeza, se agarram a ele também para sempre. Nós estamos aqui para descobrir que temos na verdade é que aprender com os momentos de alegria e de tristeza. Não para agarrarmo-nos a eles. Quando descobrimos que tudo é aprendizado na vida para nos tornar melhores, aí sim passamos a ser felizes.”

                Uma viagem tão longa para aprender algo tão simples. Quando aprendemos que as cruzes que carregamos em nossas vidas são aprendizado, são escolas de vida para o céu. E mais, que o Senhor está por detrás de cada uma delas querendo sempre o melhor para nós, mesmo que não pareça, por que ainda não descobrimos o significado e sentido de tudo, passamos a viver uma felicidade constante.  Quando conseguimos negar as nós mesmos, nosso “eu”, nosso maior algoz e seguir em frente experimentando o efeito da liberdade, começamos então o caminho que vai dar na ressurreição. Destino único dos filhos e filhas de Deus.

                Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!