A ROUPA NOVA DO REI

A ROUPA NOVA DO REI

 

A ROUPA NOVA DO REI

 

 

                        No momento exato que faço esta reflexão estou com fome e um pouco nervoso por falar a irmãos filósofos e teólogos.

 

                        “Insensatos! Por acaso quem fez o exterior, também não fez o interior? Daí antes de esmola as coisas de dentro e tudo vos será limpo” (Lc 11, 40 – 41)

 

                        Quando eu era pequeno ganhei de presente de meus pais um disco que tinha uma história que talvez vários de vocês conheçam: “A Roupa nova do Rei”. Eu devo ter escutado esta história algumas dezenas e quem sabe até uma centena de vezes. Para quem ainda não escutou essa história vou adiantar um pouco: “Era uma vez um Rei que contratou dois costureiros charlatões para fazerem uma roupa para ele com um tecido mágico, um tecido maravilhoso que só podiam ver as pessoas muito, mas muito inteligentes. Os bobos olhavam, olhavam e não conseguiam ver. E assim os tecelões trabalharam alguns dias, até que o Rei mandou seu pajem verificar se a roupa nova já estava pronta. Ao que os costureiros falaram que ainda não, mas o pajem poderia ver um pedaço. Assim quando mostraram para ele, logicamente ele não viu nada e ficou estarrecido: ‘Sou um tolo está se vendo, pois não vejo nem um fiapo desse maravilhoso tecido, porém não quero passar por tolo vou fingir ver tudo: Oh, que maravilhoso este tecido, quantas cores! O Rei vai ficar muito feliz com a beleza de sua roupa...’. Assim o pajem avisou o Rei, que dias depois foi até aos costureiros para experimentar sua roupa nova e quando os charlatões mostraram a roupa ao Rei, o mesmo também teve o seu choque: ‘Oh, Céus, que coisa horrível, sou um tolo está se vendo, pois não vejo nada deste tecido, porém não quero passar por tolo vou fingir ver tudo: Oh, sim, mas que maravilhoso, vou fazer um sucesso desfilando com esta roupa...’. E assim foi preparado o grande desfile para o Rei mostrar a todos a sua roupa nova. No dia do grande desfile ia seguindo o cortejo quando uma criança que estava nos braços de seu pai gritou no meio da multidão: ‘Mas o que é isso mamãe, o Rei desfila de coroa e de calção?...’ Parou-se todo o desfile, o Rei ficou envergonhado, pois uma criança tinha conseguido ver a verdade. Os costureiros foram presos, mas não por muito tempo, porque a culpa maior foi do Rei por ser tão ingênuo.”

                        Que relação tem a Roupa Nova do Rei com Lucas 11, 37 a 41?

                        No Evangelho é bem presente a repulsa que Nosso Senhor tem pelos fariseus, mas não todos, somente por aqueles que são, na sua própria acusação: hipócritas. Por que será? Porque Jesus perdoa a todos, adúlteras, ladrões, todos o pecadores, mas não os fariseus? Chega a dizer severamente que eles não vão entrar no Reino dos Céus e nem deixam os outros entrarem.

                        Hipócrita, esta palavra vem do teatro grego e quer dizer máscara. Mas precisamente no grego antigo “prósopon”, a máscara que os atores usavam, aqueles que fingem. Alguns fariseus para Jesus usavam máscara, eram fingidos. Mas qual a conseqüência disto? Por que a hipocrisia impede o Reino de Deus?

                       Na verdade quem usa máscara está fora de si mesmo. É como alguém que coloca os melhores homens para guardarem as muralhas da cidade para que não desmoronem, enquanto o interior se desfalece. Eu mesmo posso ser tido como bonzinho, e até mesmo um santo, ao olhar de alguns, mas isso pode ser uma máscara. Na verdade pode ser um meio que encontrei para ser amado por todos. Só que há um grande problema com o uso da máscara: o que em mim é real, verdadeiro e que não condiz com minha máscara eu jogo para dentro, eu escondo, reprimo no que Freud chamou de inconsciente e depois seu discípulo Jung chamou de inconsciente pessoal para contrabalançar com o inconsciente coletivo. O que é reprimido vira aos poucos em mim sombras. Ou o que nossa psicóloga costuma chamar de “fantasmas” que ficam vagando por dentro de nós mesmos. As sombras causam uma série de questões que as pessoas que vivem em comunidade conhecem bem: as projeções. O que eu tenho reprimido em mim, porque não condizer com minha máscara eu não suporto no outro. Se eu uso uma máscara de bonzinho, mas na verdade sou um autoritário, eu não suportarei autoritarismo nos outros. Se sou um pervertido estarei vendo perversão em todo mundo. Eu ataco nos outros o que em mim tenho bastante.

                        Quem usa máscara, não entrará no Reino de Deus porque não consegue entrar em sua própria verdade, seu próprio íntimo, e é no íntimo que habita Deus, mas está na verdade habitado por sombras. Porém ao contrário do que podemos pensar, as sombras não ocupam totalmente nosso íntimo, elas são uma pequena parte, a maior parte pertence realmente a Deus.

                        “Insensatos! Aquele que fez o exterior não fez também o interior?”

                        Precisamos ter coragem de entrar em nós mesmos e assumirmos nossas sombras. Assumirmos nossas verdades. Apresentar o que não é bom em nós para Deus. Pois é isto que ele deseja para santificar. É a Ele que devemos nossas satisfações.

                        Quando estava no noviciado, um irmão de caminhada se viu envolvido por um escândalo sexual no qual ele não tinha tanta culpa assim, pois na circunstância ele estava bêbado. A culpa maior foi de um outro que não precisou nem mesmo ser mandado embora, foi por sua própria. Mas esta este irmão ficou muito preocupado se o mestre de noviços o mandaria ou não embora. E assim ele passou vários meses com esta preocupação. Foi na minha cela algumas vezes: “Carlos será que vão me mandar embora?” Eu lhe dizia: “Olhe, meu irmão, procure convencer a Deus que você é inocente e não o mestre, ou quem quer que seja”. Ele não conseguiu convencer, ficou mais preocupado com o mestre e na véspera de nossos votos foi mandado embora.

                        O mundo, as pessoas precisam de nossa verdade. No futuro seremos padres da Igreja. Não nos deixemos seduzir pelo exterior, pelas túnicas, pelas casulas bonitas e bordadas a ouro. Isto tudo para Deus é tecido invisível, Ele que ver nossa verdade. E a verdade não é algo utópico, fora do comum, a verdade está em nós mesmos. Começa em nosso próprio corpo. Rubens Alves nos diz que temos em nós uma sabedoria “tripal”, a sabedoria das tripas, pois elas não se calam. Basta ouvir quando estamos na capela antes de tomar café e principalmente antes do almoço. As tripas não mentem, se estamos com fome, estamos com fome. Foi por isso que comecei esta homilia dizendo que estava com fome, para ser o mais verdadeiro possível, pois realmente estou com fome. Nosso corpo não mente. Quando sente desejo ele sente desejo. Basta olhar uma figura, uma cena erótica que nos excitamos, e não adianta dizer para nosso órgão sexual não se excitar porque ele se excita mesmo. Nosso formador costuma dizer que a cabeça de baixo não sabe que sou padre ou seminarista. Isto é a verdade, nosso corpo é um evangelho vivo. Nos ensina a nos assumirmos como somos, para encontrarmos nossas curas, as curas de nossas sombras. E esta cura só se dá pelo amor. Como já falei antes e sempre afirmo, esta é a oitava comunidade que tenho a graça de viver neste meu itinerário de formação, e é a comunidade que mais há amor. Nos somos amados por nossos formador, e ele nos ensina a amarmo-nos uns aos outros, e “onde há amor, Deus aí está” como dizia o mantra que cantamos no início de nosso celebração. Onde sou amado não é necessário usar máscara, quando sou amado apesar de meus defeitos isto é o Reino de Deus.

                        São Francisco foi uma das pessoas mais verdadeiras e autênticas que temos notícia. Um irmão menor, como um irmão bispo de nosso igreja que nestes últimos dias mesmo sendo bispo aceitou ser nada, usando um hábito, descalço, ao lado de uma igreja pequenina em uma cidade pequena do interior do sertão com o nome de Cabrobó, e que aceitou ser tão pequeno, aceitou se acabar por amor ao um rio e a um povo que mobilizou a opinião de todo o país e moveu até o governo , para o protesto de alguns. Um bispo da Igreja católica, sendo nada por amor.

                        São Francisco quando comia alguma comida feita com banha, ou galinha dizia para o povo: “Olhem, hoje, eu comi galinha!”. E quando uma vez tiveram que colocar uma pele por dentro do hábito porque estava com muita inflamação no seu ventre pediu também que colocassem o mesmo remendo por fora. Para que ninguém fosse enganado por ele que era tido por santo e asceta. E mais, costumava dizer que “eu quero onde eu estiver, no campo, no bosque, agir como se estivesse sendo olhado por todos. Pois se me têm como santo, e eu serei um hipócrita se não agir como santo quando não estiver sob os olhares de todos”.

                        Nós somos aquilo que fazemos quando ninguém nos vê!

 

                        Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!