“PAPAI, A MAMÃE QUEBROU O FILTRO!”

“PAPAI, A MAMÃE QUEBROU O FILTRO!”

 

“PAPAI, A MAMÃE QUEBROU O FILTRO!”

Lc 7, 36 – 8, 3

 

Se todas as homilias começassem com esta afirmação: “Nós estamos aqui na terra para aprendermos a chegar ao céu!”. Estaria perfeito. Esta afirmação pode se referir a tudo o que podemos fazer na Igreja e como Igreja. Tudo é para ganharmos o céu. Senão não teria sentido. E realmente a vida aqui é para isso. Senão seria um considerável absurdo. Nascer, crescer, sofrer, trabalhar, ter momentos de alegria, raiva, dor, etc, para tudo se resumir um dia em um caixão de madeira. Seria uma brincadeira sem nenhum sentido. Acreditamos numa vida depois. Uma vida que pode eternizar tudo de bom ou de ruim que aqui fizermos. Mas com certeza será de bom. Por que conhecendo o Deus que temos, mesmo que tenhamos tido apenas um dia de bondade em nossa vida, para Ele este dia valerá o céu. Mesmo que tenhamos algumas horas, ou uma hora de bondade, Deus mesmo assim vai se servir de tão pouco para nos dar o muito. E mesmo que não tenhamos nenhum momento de bondade. Quem resistirá ao amor de Deus quando diante dEle estiver? De uma forma ou de outra, todos nós chegaremos a um estado de vida espiritual que chamamos de céu. Todos. Deus ama a todos. Ou entram todos ou a história da salvação não se conclui para Ele.

                E o céu, assim como todos os lugares, tem uma porta e tendo uma porta tem uma chave. Sem dúvida alguma, a partir de toda a Palavra de Deus, a chave que abre a porta do céu é o AMOR. Estamos aqui, na verdade, para aprendermos a amar. A terra é uma grande escola onde são-nos oferecidas inúmeras lições de amor e o Mestre é Nosso Senhor Jesus Cristo. Deus veio em Pessoa nos ensinar. Que dignidade a nossa, termos como Mestre de ensino, o próprio Deus!

                E como tudo o que Deus é e faz tem uma dimensão trina, o amor também. A vida ao longo do caminho nos ensina a termos três tipos ou dimensões de amor.

                O primeiro tipo ou dimensão de amor que aprendemos é o amor EROS. Amor erótico. Mas erótico na expressão autêntica da palavra. Não o erótico de pornográfico como se tem na linguagem comum. Mas erótico enquanto início deste sentimento (amor) que é a base e sentido de toda a vida.         E quem nos ensina o amor erótico é nossa mãe. Aprendemos a amar eróticamente com nossa mãe. Porque ela nos gera por nove meses. Depois nos amamenta. Basta chorar que ela está ali tentando ver o que está acontecendo conosco. De repente logo vamos percebendo que aquela mulher é muito importante porque satisfaz nossas necessidades. Basta chorar, que pronto, lá está ela. E assim passamos a amá-la por causa de nossas necessidades físicas. É vital a sua presença para nós. Amamos inicialmente nossa mãe por puro interesse. Mas, tem muita gente que cresce e continua com o amor erótico, relaciona-se com as pessoas por puro interesse, mesmo que não tenha consciência disso. “Eu gosto dele!”. Mas por quê? Algo nele com certeza te satisfaz em alguma coisa. “Eu vou com a cara dela!”. É, mas por quê? Com certeza ela atende alguma necessidade tua. É o amor simpatia, antipatia. Se não me é sim-pático, ou seja, se não sente comigo, “se os santos não casam”, se a química não combina, nem nos aproximamos da pessoa. E se caso depois de um certo convívio a pessoa não satisfaz mais... até nunca mais...

                O segundo tipo ou dimensão do amor é o amor FILIA. Amor amizade. E quem nos ensina é o nosso pai. Uma das funções psicológicas do pai na família é esta, ensinar o amor amizade. O pai é aquele que nos tira de perto da mãe e começa a nos ensinar que podemos ter uma relação com alguém sem precisar satisfazer nossas necessidades físicas. Mas ser companheiro. Sair para passear... E nesse passeio ele nos ensina a andar, brincar, andar de bicicleta... Alguém que partilha as coisas que pensa e sente. O pai nos coloca no mundo da amizade. Ele é e deve ser nosso primeiro amigo. (Tantos dos filhos como das filhas). Claro que a mãe depois começa também a usufruir desta dimensão que os pais nos ensinam. Mas o amor amizade começa com o pai e é um amor recíproco. Ele exige reciprocidade. Cumplicidade. Fidelidade. Quando eu era menino, um dia em casa, estava só com minha mãe e papai estava no trabalho. Tínhamos um filtro daqueles antigos de cerâmica. Minha mãe resolveu lavar as pedras do filtro e, num descuido, acabou quebrando todo o filtro. Foi um acontecimento! Depois íamos nos encontrar com papai. Durante todo o caminho mamãe dizia: “Meu filho, deixa que a mamãe fala pro papai que eu quebrei o filtro, tá bom?”. Repetiu inúmeras vezes. Penso que eu só assentia com a cabeça. E quando chegamos. Lá se vem papai subindo a calçada em nossa direção e quando ele chegou bem perto para me abraçar, a primeira coisa dita: “Papai, a mamãe quebrou o filtro!”. Mamãe tomou um susto. Mas fazer o quê? Nós éramos amigos, e a fase desse amor era aquela... Eu sou amigo e preciso que o outro seja amigo também. Se sou fiel quero e exijo que o outro seja fiel também.

Mas, também têm muitas pessoas que ficam apenas no nível deste amor. Porém, este amor FILIA ainda não é perfeito, porque ele não tolera muito as decepções. Somos amigos, muito amigos, mas se o outro decepciona... Pode ser que a amizade seja rompida para sempre. E isto não é bom. Ainda não podemos entrar no céu assim. Precisamos aprender a última e mais perfeita dimensão do amor.

                Que é o amor AGAPÉ. O amor doação total. Amor gratuito. Amor pelo puro amor. E quem nos ensina isto? Nossos irmãos. Aqueles que nascem também do mesmo pai e da mesma mãe. Por isso que é bom para o desenvolvimento psicológico de uma criança que ela tenha irmãos. É bom sempre que um casal tenha dois ou mais filhos. Um somente pode não ser muito saudável psicologicamente, nem para os pais nem para o filho ou filha únicos.

                Quando eu tinha oito anos de idade, filho único até ali, cheguei para minha mãe e o meu pai e disse: “Eu quero uma irmãzinha!”. Minha mãe logo perguntou: “Uma irmãzinha, meu filho, não seria melhor outro menino, um irmãozinho para você brincar?”. Ao que respondi decidido: “Não, eu quero uma irmãzinha que é para eu conversar com ela. Cuidar dela. Quando eu chegar da escola contar as coisas para ela!”. E assim se fez. Um mês depois minha mãe estava grávida. Minha mãe e meu pai sempre foram muito práticos. E aí começou a aposta com meu pai que queria mais um menino. Ele dizia: “Vai ser um menino!”. E eu: “Não, vai ser minha irmãzinha!”. Naquela época, mais de trinta anos atrás, não tínhamos ultra-sonografia. Então só se sabia quem estava para vir depois que chegava. E eu lembro bem do dia de manhã cedo em que estourou a bolsa de minha mãe. Eu nem sabia direito o que era essa bolsa. Só sabia que a minha irmã está lá dentro. E minha mãe foi levada às pressas pelo meu pai para a maternidade, na verdade um hospital que as freiras cuidavam lá em nossa cidade. E cuidam até hoje. Hospital Santa Juliana. Horas depois lá se vem meu pai chegando em casa com um riso no rosto. Eu conheço os risos de meu pai... Perguntei: “E aí, pai, nasceu a minha irmãzinha?”. E ele rindo disse; “Não, nasceu um menino!”. Protestei. Eu tinha certeza: “Não, nasceu a minha irmãzinha!”. “Sim”, disse papai, “nasceu a sua irmãzinha!”. E logo completei: “E ela vai se chamar Carla Simone!”. Até o nome dela eu já tinha... Tinha passado nove meses escolhendo.

                Papai levou-me ao hospital para vê-la. E lá estava ela bem pequeninha. Minha irmãzinha. Que delícia ter um sonho realizado. Onde ela estava eu estava. Acompanhava tudo, o mamar dela, o banho, o passeio... E ela foi crescendo e com o tempo foi se mostrando com forte personalidade. A primeira coisa que não aceitou foi o “Simone” do nome dela. Éramos bem diferentes. E por isso começaram as brigas. As raivas. Mas eu brigava, ficava com raiva, mas fazer o quê? Era a minha irmã. E mais grave, eu tinha pedido! Só havia um caminho... amá-la do jeito que ela era. Era a minha irmã. E vai ser minha irmã para sempre. Este é o amor ÁGAPE. O amor pelo amor. O amor que supera tudo. Que supera as antipatias e antipatias. Que busca o mais valioso na pessoa. Que aceita e assume o que não se parece com a gente. Porque na verdade nós amamos o que se parece conosco. Para o diferente nossa tendência é sempre  o distanciamento. Minha irmã com forte personalidade é linda, é preciosíssima, e se tivesse que mudar qualquer coisa nela, nada mudaria, porque foram todas as brigas que tivemos que me fez e a fez também chegar ao amor perfeito. O amor que a tudo supera porque que pessoa é valiosa para nós porque faz parte de nossa vida. É minha irmã. A única que tenho! E foi através deste amor que ela me ensinou que aprendi a amar minha mãe e meu pai totalmente. Não só por que eles me deram a vida, cuidaram de mim, mas porque eles são os únicos que tenho.

                Este é o amor de Deus. Santo Agostinho em seu livro Confissões diz que “Deus nos ama como se a um só amasse e a todos como se fosse um”. Amor que temos que colocar em prática com todos. Todos são nossos irmãos. São únicos. São filhos do mesmo Pai. Por isso o Pai Nosso. Se Deus é nosso Pai. Pai de todos. Todos são meus irmãos e tenho que ter amor ágape por todos. Ah se todos nós para com todas as pessoas tivéssemos essa consciência. O mundo seria bem diferente. É um assassino! Sim, mas é meu irmão. É um mentiroso! Sim, mas é meu irmão! É diferente de mim! Sim, mas é meu irmão! “É um esposo beberrão!”. Sim, mas antes de tudo, é teu irmão na existência. “É uma prostituta!”. Sim, mas é filha de Deus e minha irmã. Foi este amor que fez o Mestre do amor mudar a vida de muitos para sempre...

                E mais, cada desavença que temos com as pessoas, entre nós e elas logo surge um abismo. Que posso optar em deixar este vale tenebroso entre nós e seguir em frente ou atendendo aos ensinamentos do Senhor, voltar, perdoar, reconstruir a relação. Se opto pelo perdão eu construo pontes sobre os abismos. Os abismos continuam lá, mas cobertos por pontes de perdão. Na verdade, penso que Deus nos provoca muitas vezes com as diferenças que vivemos com as pessoas. Só para ver se aprendemos a criar pontes. Posso levar uma vida e no final ter dezenas de abismos atrás de mim. Ou dezenas de pontes reconstruídas...

                Uma coisa eu desconfio: Que o nosso caminho para o céu passa por essas pontes. Se um dia tiver que voltar para Deus e se for pelo mesmo caminho que fiz durante toda a minha vida? Se tiver os abismos...

                Um dos homens que marcou a humanidade foi Mahatma Gandhi. Sozinho. Sem violência nenhuma libertou toda uma Índia do domínio Inglês. Gandhi viveu a mensagem do amor com perfeição. Um dia perguntaram para ele porque ele não se tornava cristão, já que vivia plenamente a mensagem do Evangelho. Ao que ele respondeu radical que era: “Serei cristão no dia em que os cristãos forem cristãos!”. Este homem foi assassinado por um jovem que de repente apareceu no meio da multidão. Parando bem na frente dele com revólver em punho, disse: “Vida longa, Gandhiji!”. E deu um tiro a queima-roupa no peito do grande estadista. As últimas palavras de Gandhi foram: “Deus te abençoe, meu filho!”. Gandhi não perdeu a oportunidade de construir a última ponte. E hoje, com certeza, está bem pertinho do Senhor! Usou a chave certa!

              Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!