“PERDENDO DENTES DE LEITE!”

“PERDENDO DENTES DE LEITE!”

 

 

“PERDENDO DENTES DE LEITE!”

Rm 8, 31-39 / Lc 13, 31-35

 

                               Os fariseus já tinham tentado de tudo para sumir com Jesus. Tirar de cena este jovem incomodo. Tinham tentado pegá-lo em alguma palavra, em algum ato. Mas Ele sempre estava certo. Não tinham como acusá-lo de alguma coisa. Até mesmo quando a crise chega ao ápice, e acontece a prisão e o julgamento, todas as acusações são mentirosas ou contorcidas, por que realmente Ele era inatacável. E hoje, em mais uma tentativa, eles, os fariseus, tentam intimidá-lo dizendo: “Sai daqui, porque Herodes quer te matar”. Eles não estavam preocupados com Jesus. Não é cuidado pela vida de Jesus. Mas é que realmente eles queriam que Jesus saísse dali. Sumisse. E se possível não voltasse mais. E Nosso Senhor novamente se refere aos três dias. Ao três, numero de Deus. Primeiro, segundo, terceiro dia. Deus está agindo. Os milagres estão acontecendo. E Ele ainda vai caminhar por mais três dias até chegar à sua cidade,  Jerusalém. IR, em hebraico é cidade e SHALOM, é paz. IR+SHALOM, deu o nome JESUSALÉM, cidade da paz. A cidade de Deus. É nela que Jesus vai cumprir seu grande sacrifício. Seu maior sofrimento. Vai entrar no domingo de ramos.  Passar mais quatro dias e na quinta à noite cear com seus apóstolos e nesta mesma noite começar sua agonia.

                               Como diz Leonardo Boff em uma de suas palestras sobre Espiritualidade: “Deus não veio explicar porque tanto sofrimento, Ele veio sofrer junto. Não veio explicar porque tanto trabalho, Ele veio trabalhar junto...”

                               Na cruz, Nosso Senhor nos mostra o caminho. Quando perdemos tudo, fica somente aquEle que é essencial. Por um mistério de Deus, quando não há mais lugar que caiba tanto sofrimento, aí se encontra Deus. Quando Jesus perdeu tudo, aceitou perder tudo, restou o essencial: o Pai e nas mãos dEle entregou-se totalmente e assim nos resgatou.

                               Na verdade o sofrimento acontece quando nós não aceitamos o que nos vem. Quando acreditamos que tudo o que nos acontece vem de Deus. E é Deus que está conduzindo, o sofrimento transforma-se em aprendizado.

                               Em uma de nossas visitas ao Hospital de dermatologia São Roque em Piraquara, Paraná, entramos no quarto onde tinha um hanseniano já idoso. Deitado de lado na sua cama, sem os dedos das mãos, com os pés que eram dois blocos dentro de um sapato de vinil preto. Cego. Ouvindo um radinho de pilha. Cheguei perto e perguntei: “E aí tio, como anda...”. Ele respondeu-me com serenidade: “Não meu filho, eu não ando não!”. Tomei consciência da expressão que usei de maneira inconveniente. “Não tio, desculpe, é o meu jeito de falar. Eu quis perguntar, como está a vida...” E ele me deu uma das respostas mais inusitadas que ouvi em minha vida: “Está tudo bem, não me falta nada!”

                               Como não faltava nada... Ele era um hanseniano em tratamento. Sem dedos, praticamente sem pés, o bacilo da hanseníase tinha atacado até os seus olhos. Ele não andava. Estava dependente dos enfermeiros para tudo. E dizia que não faltava nada... E eu naqueles dias como estudante de filosofia da Ordem Franciscana, estava com tantos problemas...

                               Grande mestre hanseniano. Ali comecei a entender que há um caminho para viver em paz e não faltar nada: Quando só fica Deus. Quando confiamos em Deus. Quanto só Ele é importante.

                               Um dia, estávamos dentro do útero de nossa mãe. Estava tudo bem. Quentinho, confortável, delicioso. Estávamos protegidos e não precisávamos mais de nada. De repente ele ficou apertado e começamos a sofrer. E entramos em agonia. Parecia que a morte era certa. Mas por nos abandonarmos às circunstâncias, por mergulharmos de cabeça na situação deixando que o que viesse fosse bem vindo. De repente, nascemos. Passou o sofrimento e chegamos em uma nova vida. Não era a morte não, mas um novo começo. Toda crise, todo problema tem dentro dele uma solução, basta não para nele e confiar, vai vir um aprendizado para um novo começo.

                               Um dia nossos lindos dentes de leite, começaram a amolecer. E nos disseram que era assim mesmo e tínhamos que arrancá-los um por um. Que suplício! Eu mesmo ficava tenso com esta experiência. Cada dentinho era um sofrimento. “Mas vai doer!”, dizia eu. “Mas precisa tirar”, diziam meu pai e minha mãe. E quando aceitava que eles tirassem, doía um pouco, mas passava. Ficava sem dente por algum tempo, mas depois vinha o novo. E assim vieram todos os permanentes, que se usamos fio dental e escovamos corretamente, podemos tê-los sempre.

                                Como a vida nos ensina. Se aceitamos o que não pode ser mudado. O que vem. Isso será aprendizado. Se tenho dores nas pernas. Se já estão cansadas. Obrigado Senhor pelas minhas pernas. Não são mais como antigamente. Doem. Não me levam mais para onde quero ir. E aprendemos muito com esta limitação.

                               Se vier uma diabete que nos impossibilita de comer açúcar mesmo o corpo inteiro pedindo açúcar. Obrigado Senhor, por todos os anos de minha vida em que comi açúcar, agora tenho que aprender o sabor dos alimentos autenticamente, sem a presença do doce.

                               E cada vez que nos aproximamos da cruz, para levarmos nosso sofrimento a Ele, vemos que Ele já sofreu antes por mim. Tudo Ele sofreu na cruz. Não ficou nada de fora. E o que Ele nos diz é: “Agüente firme, não desanime, aprenda, confie em mim, e te garanto que depois de três dias virá a Ressurreição!”

                               Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!